VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTEMPORÂNEO: UMA NOVA MODALIDADE ATRAVÉS DA PORNOGRAFIA DA VINGANÇA

                                                                                                                 Vivianne Albuquerque Pereira Cavalcante1

                                                                                                                             Acácia Gardênia Santos Lelis2

RESUMO O presente trabalho visa analisar uma nova modali- dade de violência de gênero que é a pornografia da vingança. A pornografia da vingança ocorre não só contra as mulheres, mas essas são em sua maiora as maiores vítimas. A pornografia da vingança, também conhecida como “vingança porn”, expressão conhecida mundialmente, que decorre das relações pessoais, com exibição de fotos os videos na intimidade, exibi- dos após o termino do realcionamento, e que a partir de estudos já realizados denota-se como principais vítimas as mulheres, denotando-se aí mais uma questão de gênero. Faz-se necessário, assim, analisar as relações sociais e humanas, uma vez que presente a violação de direitos fundamentais, como a igualda- de, a liberdade e a intimidade. Pretende-se, portanto, contribuir para a compreensão do fenómeno, a partir de uma perpectiva sócio-jurídico. Para realizar este método de estudo utilizou-se da dialética com uma abordagem qualitativa, por meio de pesquisa exploratória, que forneceu questão mais profunda.

Palavras-chave Direitos. Gênero. Igualdade. Intimidade. Mulher. Violência.

 1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa compreender uma nova modalidade de violência contra a mulher no mundo contemporâneo que é a pornografia da vingança. A expressão “Pornografia de Vingança” equivale à Revenge Porn em inglês, também conhecida por “Pornografia de Revanche”, “Vingança Pornô” ou “Pornografia Não Consensual”, é empregada, atualmente, para reportar às práticas de propalação de conteúdos audiovisuais (fotografias e vídeos) de pessoas em situações de sexo ou nudez, sem o consentimento destas. Estes conteúdos podem ser obtidos sem o conhecimento da vítima, mas também com o conhecimento dela. Na grande maioria das vezes, a produção do ma- terial é feita em conjunto e consensualmente com a própria vítima quando das suas relações de intimida- de com o agressor. Essa nova modalidade de violência é praticada não só contra as mulheres, mas especialmente praticada contra as mulheres, denotando-se assim a questão de gênero, culturalmente construída na sociedade. O surgimento dessa nova forma de cometer atos que caracterizam a Violência de Gênero causa, principalmente, danos psicológicos às vítimas. Isto porque, segundo Serrano (2013) décadas atrás, o “macho” quando desafiado, rejeitado ou inconformado fazia uso da violência física para se autoafirmar, hoje, reage com a violência simbólica ao expor cenas da mulher em público. Para compreensão desse novo fenômeno social buscar-se-á a partir do método dialético identificar as questões socioculturais que envolvem o problema. A pesquisa terá como base casos noticiados na imprensa nacional e internacional, que permita analisar dedutivamente levando-se a uma conclusão que iden- tifique a questão de violência de gênero praticada em situação assemelhadas. Existem outras denominações utilizadas, com menor frequência, para caracterizarem situações semelhantes: sexting, “vingança pornográfica”, nude selfies, entre outras.

2 GÊNERO E VIOLÊNCIA

Produto de uma construção histórica, a violência contra a mulher relaciona-se estritamente às dis- cussões sobre gênero, relações de poder, classes, etnias, e vem, ao longo dos anos, diante das transformações sociais, moldando-se às experiências vividas por cada geração. Para Nascimento (2000), as relações pautadas na subordinação, exploração e dominação têm base ma- nifestamente cultural e ocorrem nas mais variadas esferas de relacionamento, é possível percebê-las por meio das nuances históricas pela exploração dos negros e índios pelos brancos, subordinação da classe operária em face da classe dominante, bem como da dominação dos homens sobre as mulheres. Ante essas relações de poder que punham a figura feminina em uma situação de vulnerabilidade e infe- rioridade, é que eclodiram os primeiros movimentos em defesa da mulher, mais precisamente nos anos 1980, do século XX, quando surgiram as noções teó- ricas iniciais sobre desigualdade de gênero. Os constantes estudos desenvolvidos nas academias e pela Militância Feminista da época, como afirma Grossi (1994) enfatizavam que não eram as diferenças bio- lógicas entre mulheres e homens que fomentavam a violência de gênero contra a mulher, mas os papéis que cada um deles ocupava em uma sociedade de cul- tura essencialmente patriarcal. Campagnoli (2003) conceitua gênero, explicitando as diferenças construídas entre homens e mulheres, justificando que as desigualdades entre esses atores são naturais, pois suas peculiaridades encontram fundamentos em aspectos biológicos, fugindo, portanto, de qualquer aspecto social. As construções simbólicas que impõem a homens e mulheres, determinados papéis, identificando-os den- tro de sua cultura, acabam por limitar as potencialida des dos gêneros, criando rotulações sobre o que seria ou não permitido a cada um deles no âmbito social. As diferenças que acarretam a violência de gênero têm sua concepção no arcabouço da história da hu- manidade, em que os homens detinham o poder sobre vida e morte dos membros de sua família, e a autoridade das mulheres era comparada a das crianças (BOURDIEU, 2002, p. 160). Por essa razão, diz-se que a cultura de violência contra a mulher é inerente ao comportamento humano, vez que se trata de expressão cultural que ultrapassa gerações, renovando-se de forma diversificada com o passar dos anos. A barreira histórica dos séculos não impediu a sua propagação. Desde a infância, esses agentes são orientados para valores culturais opostos, enquanto os meninos são educados para o uso da força física, valorização da agressividade, ações de dominação e realização, ainda precoce, de sua vida sexual, as meninas são conduzidas pelo caminho da submissão, passividade e sentimentalismo, a sua valorização está diretamente ligada à feminilidade, dependência e capacidade de sedução. Por ser acontecimento corriqueiro e já banalizado por grande parte da sociedade, a frequência das práticas de violência de gênero ganhou significativa proporção, isto porque aqueles que não a praticam en- tendem-na como acontecimento trivial e admissível. Para Lima e Santos (2009), a violência contra a mulher é uma das mais brutais formas de transgres- são aos Direitos Humanos, pois não se trata apenas de maus-tratos físicos, mas sexual, psicológico, moral e também econômico. É a legitimação de frontal desrespeito às garantias constitucionais à saúde, à liberdade e à dignidade. Impende destacar, contudo, a dificuldade de ajustar uma conduta específica como ato de violência de gênero, isto porque, na grande maioria das vezes, o fato de estar habituada com um ambiente de limitações comportamentais, envolvida pelo complexo histórico de inferioridade e subjugação, a vítima não reconhece tais atos como violência.

3 A QUESTÃO CULTURAL NA SEXUALIDADE FEMININA

Hermann (2007) preleciona que o dogma da supe- rioridade masculina foi consolidado por diversos fatos culturais que ressaltavam a inferioridade biológica e intelectual da mulher. A partir daí, criou-se uma regra de obediência irrestrita da mulher para com o homem, que seria relativizada apenas pelo pouco prestígio que a fertilidade proporcionava ao gênero feminino. Simone de Beauvoir (1970, p. 179) acrescenta: “[...] a história mostrou-nos que os homens sempre detiveram todos os poderes concretos, desde os pri- mórdios tempos do patriarcado, julgaram útil manter a mulher em estado de dependência, seus códigos estabeleceram-se contra elas”. E continua a expla- nar sobre a construção simbólica da superioridade masculina, pautada, inicialmente, sob conceitua- ções biológicas: A mulher é mais fraca do que o homem; ela possui me- nos força muscular, menos glóbulos vermelhos, menor capacidade respiratória; corre menos depressa, ergue pesos menos pesados, não há quase nenhum esporte em que possa competir com ele; não pode enfrentar o macho na luta. (BEAUVOIR, 1970, p. 174). As disparidades impostas culturalmente aos gêne- ros foram realçadas por meio da dominação patriarcal que delimitou padrões de comportamento, principal- mente no que concerne às questões de sexualidade dos sujeitos. Conforme analisa Andrade (2003, p. 275), o exer- cício da sexualidade da mulher estava rigorosamente relacionado ao intento da reprodução. Assim, toda e qualquer escolha ou atitude de cunho sexual que destoasse da finalidade de “procriação” tornava a figura feminina um ser desvirtuado, desonesto, sem valor. Diante da nova realidade, a moral do gênero fe- minino encontrava seus principais fundamentos nas vivências sexuais correlacionadas unicamente nas experiências do casamento e da relação conjugal. Assim, é possível afirmar que nessa conjuntura, a mu- lher passava da sujeição a seu pai, para a obediência ao seu marido. Segundo Diamantino (1993, p. 1016-1029), desde o seu nascimento, a mulher é educada para a subservi- ência, respeito ao marido, procriação e sujeição pacífi- ca à rotina exaustiva de trabalho. Nesse mister, o prazer sexual tornou-se assunto proibido, por ser considerado prática pecaminosa e moralmente condenável. A marginalização sexual da mulher está arraiga- da nos ditames históricos e culturais, vez que as mu- lheres são educadas por mulheres, numa sociedade onde a virilidade e o prestígio do macho estão longe de serem apagados (GOIS, 1991, p. 119). Meninas são orientadas a atuar como filhas e mães, mas não como mulheres. E, sobre essa construção simbólica, complementa Beauvoir (2005, p. 82) “[...] o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. Ocorre que, fruto de incansáveis lutas em busca de reconhecimento e autonomia, Parada (2009) afir- ma que o modelo dominante de família e a forma de organização social que puseram o homem no topo da pirâmide familiar foram, gradativamente, perdendo sua força, abrindo espaço para um novo conceito de mulher. Houve um momento de ruptura entre o culto à mulher casta e o surgimento da figura autônoma fe- minina, capaz de gerir sua família, carreira, e princi- palmente sua vida sexual. Essa conjuntura direcionou a manipulação da cul- tura sexual de forma latente no seio social. O que antes era produto da independência feminina foi transformado, mais uma vez, numa forma de punir a mulher por deso- bedecer aos ditames machistas firmados historicamente.

4 A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: UM NOVO MODELO DE VIOLÊNCIA

Com o advento das mídias sociais, bem como pelos inúmeros meios de captação de sons e imagens ins- tantâneas, fica cada vez mais acessível o recebimento de conteúdos de cunho sexual. Para melhor compre- ender a pornografia da vingança toma-se como refe- rência o conceito dado por Mary Anne Franks (2015, n.p.), da University of Miami, comenta: Pornografia não consensual se refere a imagens sexual- mente explícitas divulgadas sem o consentimento e sem propósito legítimo. O termo encobre material obtido por câmeras escondidas, consensualmente trocadas dentro de uma relação confidencial, fotos roubadas e gravações de abusos sexuais. A pornografia de Vingança frequen- temente ocorre em casos de violência doméstica, com os agressores usando a ameaça de divulgação para evitar que suas parceiras os abandonem ou denunciem práticas abu- sivas. Traficantes de mulheres e cafetões também usam a pornografia não consensual para encontrar indivíduos dispostos a sexo comercial. Estupradores têm gravado os seus ataques não apenas para humilhar suas vítimas como também para desencorajar as denúncias de estupro. Resguardada pela Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, a intimidade é considerada inviolá- vel. Corroborando esse entendimento, ainda no mes- mo artigo da Suprema Carta, o inciso LX, para prote- ger a intimidade da pessoa, determina uma limitação na publicidade dos atos processuais. Ainda sobre o aparato legislativo brasileiro, tem-se o Código Penal que não resguarda especificamente a intimidade, mas salvaguarda a inviolabilidade dos segredos, que são compreendidos partículas da intimidade. O primeiro caso de “Pornografia de Vingança” que repercutiu na mídia mundial ocorreu em 1980. Aconteceu durante um acampamento, quando o casal americano LaJuan e Billy Wood fotografaram-se nus. Ao voltarem para casa, trataram de revelar o material e guardá-lo em seu quarto, num local que julgavam seguro. Algum tem- po depois, um vizinho e amigo do casal, Steve Simpson, invadiu seu apartamento e encontrou as imagens de La- Juan nua, e resolveu enviá-las para uma revista especia- lizada em publicação pornográfica para homens, a qual era composta por imagens de modelos não profissionais fornecidas pelos próprios leitores. Para que as imagens fossem publicadas era necessá- rio o preenchimento de um formulário, Simpson o fez com dados falsos, inclusive no que dizia respeito à sexualidade de LaJuan. Contudo, ao informar o número de telefone da vítima, divulgou seu contato verdadeiro, fato este que lhe gerou grande exposição após a publicação da revista, pois por diversas vezes recebeu ligações sendo assediada, conforme se vê nos estudos de Marilise Gomes (2014), em sua monografia do curso de jornalismo. No caso descrito, é preciso atentar que o respon- sável para o cometimento da “Pornografia de Vingan- ça”, não foi o parceiro da vítima, mas outra pessoa com quem tinham vínculo de amizade. Segundo Gomes (2014), em 2008, o portal de ví- deo XTube, conhecido por agregar gravações porno- gráficas de todo o mundo, anunciou em seu perfil na internet que recebia, semanalmente, entre duas e três queixas de mulheres que tinham suas intimidades ex- postas naquele canal. No ano de 2010, conforme o estudo de Gomes (2014) ocorreu a primeira prisão pelo cometimento de “Pornografia de Vingança”. O caso aconteceu na Nova Zelândia. O jovem Joshua Ashby, à época com 20 anos, usou o perfil de uma rede social de sua namo- rada e publicou fotos em que a mesma aparecia des- nuda, em seguida alterou a senha do perfil para que a vítima não pudesse excluir a imagem. Condenado à prisão, a pena foi estabelecida da seguinte forma: quatro meses pela divulgação da fotografia em espaço público, ao qual cerca de 500 milhões de usuários cadastrados à época poderiam ter acesso e seis meses por ameaçar e coagir a vítima por meio de mensagens de texto com conteúdo insultuoso. Dos breves acontecimentos históricos suscitados, depreende-se que a prática da Revenge Porn é fato precedente ao surgimento da Internet, embora tenha sido assustadoramente difundido por ela. Franks continua comentando sobre o despropó- sito do termo revenge ou “vingança”, posto que, por vezes, estes não são os únicos motivos que fomentam a prática, ou seja, as razões que levam à divulgação do conteúdo por parte dos agressores. Pode, tão so- mente, ser a violação do dispositivo por comunidades de hackers, extorsão para obtenção de valores, dentre outros. Mas, apesar da crítica, é fundamental expor que o motivo que gera a conduta é irrelevante quando relacionado ao dano sofrido pela vítima. Sobreleva notar que, mesmo quando as fotogra- fias são captadas pela própria vítima ou com a sua anuência manifesta, a propalação não autorizada merece penalização. Ao enviar suas imagens, a vítima vale-se das relações de confiança que inspiram o vín- culo afetivo com o agressor, este fato não justifica o argumento da ‘autocolocação em risco’. Em pesquisa elaborada pela Cyber Civil Rights Initiative (CCRI), Franks (2015) aponta em seu estudo que, foram ouvidas 1.606 pessoas, dentre as quais 361 foram vítimas de “Pornografia de Vingança”, restando comprovado que 83% das vítimas fotografaram-se e enviaram as imagens para terceiros.

5 REVENGE PORN E A QUESTÃO DE GÊNERO

No modelo de “Violência Pornográfica”, todos os gêneros são passíveis de vitimação. Não obstante, têm-se constatado que a volumosa maioria das ví- timas são mulheres. No avanço de suas pesquisas, Franks (2015, p. 9) atesta que em cerca de 90% dos casos, são vítimas pessoas do gênero feminino. Há um imperativo social que compele as mulhe- res ao retardamento sexual, obrigando-as ao estigma de recatadas e castas, enquanto ao sexo masculino é permitida a sexualidade plena, sendo, inclusive, cau- sa de vanglória entre seus pares. Consoante esta situação, Franks (2015, p. 13) afirma ser a mulher a principal vítima dessa nova modalidade de violência, a qual, além da exposição e constrangimento sofridos quando da divulgação de sua imagem, os danos à honra sofridos são imperio- samente maiores que aqueles sofridos pelos homens, pois o olhar cultural da sociedade tende a culpar a vítima que compartilha suas imagens, protegendo o agressor e impedindo a sua punição. A pesquisa formulada pela CCRI demonstra que, além das imagens veiculadas, seguem junto a elas o nome da vítima, seu endereço, contatos (pesso- ais e profissionais), gerando o que, no Brasil, a Lei Maria da Penha define como Violência Psicológica. Relaciona-se aos enfretamentos sociais pelos quais a vítima estará sujeita, bem como pelo sofrimento emocional, problemas familiares, dificuldade com o círculo de amizades, término de novos relaciona- mentos, inconvenientes junto aos seus semelhantes, constrangimentos físicos e virtuais. Há casos em que as principais providências tomadas pelas vítimas são: encerramento dos perfis nas redes sociais, mudança de cidade, mudança de emprego, troca de escola, pro- cura por tratamentos psicológicos e alteração do pró- prio nome pela via judicial. Os danos causados às vítimas da “Pornografia de Revanche” são imensuráveis e decorrem das extremas relações de confiança interrompidas pela conduta do agressor. Por essa acepção, diz Frank (2015, p. 16), entre outras coisas, ser a “Pornografia de Vingança” mais uma modalidade substancial da violência do- méstica, visto que o grande número de casos ocorre por ser o agressor o companheiro da vítima. São eles parceiros íntimos e afetivos, com os quais a vítima estabelece vínculos de confiança, divide suas expe- riências sexuais e mantém relacionamento estável. Permitir-se fotografar, neste sentido, seria uma libe- ralidade do casal, o consenso na captação da imagem não seria permissivo à sua divulgação. Para Franks (2015), o parceiro que utiliza o artifí- cio da “Pornografia de Revanche”, busca muito mais que a simples exposição da vítima. Pretende promo- ver humilhações, obrigá-la ao relacionamento, já que o material é usado, sobretudo, para favorecer chanta- gens e ameaças. Essa é uma realidade que aflige mulheres das mais diversas raças, classes sociais e padrões finan- ceiros. No exterior, celebridades conhecidas mundial- mente já foram vítimas da nova categoria de violência simbólica, são exemplos: Scarlett Johansson, Jessica Alba, Rihanna e Paris Hilton. No Brasil, essa conduta ganhou significativa no- toriedade quando expôs a atriz Carolina Dieckmann3 . A repercussão do caso fez surgir a Lei nº 12.737 de 2012, que leva seu nome, por apelido. É preciso des- tacar, contudo, que o fato de existir a menciona lei, não é suficiente para a punição daquele que comete a “Pornografia de Vingança”, primeiro por não ser esta uma conduta tipificada como crime, bem como por não tratar o diploma legal da conduta específica, mas sim daqueles que invadem dispositivos informáticos, interrompem serviços telegráficos e falsificam car- tões. Estas situações, dificilmente, serão compatíveis com a conduta característica da “Vingança Pornô”. No Brasil, não são raros os casos de Revenge Porn, alguns, entretanto, ganharam notoriedade nacional dada à amplitude de suas divulgações e consequên- cias drásticas em que resultaram. 3. No ano de 2011, a atriz brasileira Carolina Dieckmann teve fotos pessoais divulgadas por anônimos que acessaram seu computador. O caso originou a lei 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann), responsável por tipi- ficar os chamados crimes informáticos. 

6 CONCLUSÃO

A “Pornografia de Vingança” surgiu num contexto de inovações tecnológicas e possibilidades de comu- nicação instantânea entre os pares, abrindo caminhos para a criação de mais um ambiente de hostilidades contra a mulher. Atrelado à cultura patriarcal, esse fenômeno do século XXI encontrou sua base no histó- rico de violência contra a mulher, intensamente vivido ao longo de todos esses anos. Abordar a violência de gênero é e sempre será um desafio, posto que a cada momento surjam situações que renovaram o ciclo de propagação da violência. Analisar a realidade das mulheres vitimadas, ouvir seus depoimentos e perceber a dimensão que ganhou este debate reforça a necessidade de um aparato le- gislativo que ampare as vítimas e penalize rigorosa- mente seus agressores. A construção de um ideário de igualdade e não dis- criminação contra a mulher é ainda bastante distante de ser alcançado em razão das representações histó- ricas baseadas no comportamento hegemônico mas- culino presente na vida pública. O modelo de compor- tamento público exigido à mulher é camuflado pelo discurso demagógico de respeito à liberdade sexual, de comportamento moderno, com intuito de entabu- lar um discurso politicamente correto. O discurso cai por terra quando a liberdade da mulher e o comportamento moderno atingem a esfera privada, extrapolando os limites do que seria aceitável e tolerável pelo comportamento machista da sociedade. Nesse contexto, a pornografia da vingança é mais uma demonstração de violência de gênero, uma estra- tégia para delimitação de espaços e limitação de com- portamento. A liberdade sexual da mulher, a sua vida intima exercida sem preconceitos é entendida como luxuriosa, vulgar e reprovável. Não só a legislação é o caminho para a mudança de comportamento social que possibilite erradicar esse tipo de violência. É im- portante ainda a educação e a formação de indivíduos que compreenda a essência da igualdade entre todo e qualquer ser humano, sem que um considere-se pos- suidor de mais direitos do que os outros.

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Data da submissão: 16 de março de 2016 Avaliado em: 27 de março de 2016 (Avaliador A) Avaliado em: 15 de abril de 2016 (Avaliador B) Aceito em: 29 de abril de 2016 1. Bacharelanda em Direito da Faculdade Pio Décimo – Aracaju. E-mail:< [email protected]> 2. Advogada, Doutoranda pela Sociedade Superior Estácio de Sá, Mestre em Direito pela PUC/PR, do Programa de Direito Econômico e Socioam- biental, Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Sergipe, Conselheira Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil/SE, Pre- sidente Estadual do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/SE), professora do Curso de Direito da Universidade Tiradentes/SE, professora do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo e membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE), Coordenadora dos Direitos da Criança e do Adolescen- te da Escola Superior de Advocacia da OAB/SE, membro titular do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Estado de Sergipe- CEDM, integrante do grupo de pesquisa do grupo de pesquisa sobre a mulher e a família da Faculdade Tiradentes, como atuação na área do Direito de Família, da Infância e Violência Domestica e Intrafamiliar. E-mail: