A (IN) EFICÁCIA DO TRABALHO DA POLÍCIA MILITAR ATRAVÉS DA RONDA MARIA DA PENHA NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

 

 

Acácia Gardênia Santos Lelis[1]

Fabíola Goes dos Santos[2]

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico da Violência Contra a Mulher; 3 Manifestação da Violência Contra a Mulher e suas Consequências; 4 A Iniciativa Pioneira da Patrulha Maria da Penha no Rio Grande do Sul e sua ampliação para outros Estados; 5 Ações Contra a Violência À Mulher em Sergipe e Perspectivas de Enfrentamento; 6 Considerações Finais; 7 Referências.

 

 

LA (EN) EFECTIVIDAD DEL TRABAJO DE POLICÍA MILITAR ATRAVÉS DEL PATRULLA MARIA DA PENHA ENFRENTANDO LA VIOLENCIA CONTRA LAS MUJERES

 

RESUMEN: Este documento tiene como objetivo analizar datos sobre violencia doméstica en Brasil y Sergipe, através de las experiencias de patrullaje específico como una forma de combatir esta forma de violencia. A partir del análisis de la experiencia pionera de la Patrulla Maria da Penha, en la ciudad de Porto Alegre, de Rio Grande do Sul, y del estudio de las experiencias implementadas por la Policía Militar de los Estados de Bahía y Maranhão, busca comprender las contribuciones de estas iniciativas en la lucha contra la violencia de género. El estudio explora los análisis críticos y prácticos de fuerzas policiales específicas en la protección de las víctimas de la violencia y se centra en los datos aún superficiales sobre la violencia contra las mujeres en Sergipe para justificar la necesidad de madurar el debate en torno a mejora y especialización de la actividad policial para satisfacer esta demanda específica.

 

Palabras clave: Violencia de género; Femicidio Ley Maria da Penha.

 

 

RESUMO: O presente tem como objetivo analisar os dados de violência doméstica no Brasil e em Sergipe, através das experiências de patrulhamento específico como forma de combate a essa forma de violência. A partir de análise da pioneira experiência da Patrulha Maria da Penha, na cidade gaúcha de Porto Alegre, e do estudo das experiências implementadas pelas Polícias Militares dos Estados da Bahia e do Maranhão, busca compreender as contribuições dessas iniciativas no combate à violência de gênero. O estudo explora as análises críticas e práticas das forças policiais específicas na atuação da proteção das vítimas de violência e se debruça sobre os dados, ainda superficiais, dos índices de violência contra a mulher em Sergipe para justificar a necessidade de amadurecer o debate em torno do aperfeiçoamento e especialização da atividade policial no atendimento a essa demanda específica.

 

Palavras-Chave: Violência de gênero; Feminicídio; Lei Maria da Penha.

 

 

1introdução

 

O combate à violência contra mulher no Brasil teve um grande marco jurídico-institucional com a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, cuja finalidade é garantir a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial das mulheres ao proporcionar instrumentos para coibir, prevenir e erradicar a violência de gênero, caracterizada pela violência doméstica e familiar contra a mulher.

O objetivo da medida no momento de sua implementação é dotar de mais rigor as punições para esses crimes ao tipificar práticas relacionadas à violência de gênero. Esse rigor na forma da lei, entretanto, não foi acompanhado de uma redução significativa da incidência dessas práticas uma vez que pode ser percebida uma lacuna na criação de medidas suplementares às inovações jurídicas da Lei Maria da Penha, cuja importância é internacionalmente reconhecida.

Um desses mecanismos que visam a possibilitar uma efetivação no cumprimento dessa lei – e cujo cumprimento seja acompanhado pela inibição das práticas violentas previstas na legislação – está na Polícia Militar e no papel que essa tem a desempenhar no atendimento às vítimas da violência de gênero. No que diz respeito à atuação da corporação, é enorme o potencial preventivo através do policiamento com diretrizes específicas para potencializar a fiscalização das medidas protetivas previstas.

Dessa forma, através do presente estudo, pretende-se analisar a eficácia do cumprimento da lei através da aproximação do policial à comunidade e não apenas na repressão dos delitos já cometidos. Assim, serão apresentadas medidas que buscaram inserir a atividade policial militar nesta rede de atendimento à mulher.

A relevância para que esse estudo venha a ser realizado, que serve de justificativa para seu desenvolvimento, encontra-se no caráter histórico e cultural da violência de gênero no Brasil, uma realidade presente e estatisticamente endêmica em todo o território nacional e nas mais diversas classes econômicas. Após a promulgação da Maria da Penha, apesar a clara tipificação como violência doméstica e familiar enquanto qualquer “ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Lei 11.340/2006. Art. 7º), a proteção integral das vítimas desse tipo de violência encontra barreiras na continuidade das medidas protetivas previstas pela legislação.

 

2. HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

 

A trajetória das medidas legais de proteção à integridade física, mental e emocional da mulher passou por diversas etapas e evoluções inconstantes na história jurídica no Brasil e do mundo. É um histórico antigo, visivelmente perceptível nos estudos sobre o tema uma vez que frequentemente o termo ‘gênero’ é usado de forma concomitante ao estudo da violência. Segundo Bergesch (2004, p. 202)

Para compreender o significado da violência de gênero, é imprescindível o entendimento de certos pressupostos, que embasam as relações de poder e submissão entre o sexo masculino e o feminino. A condição sexual em que o indivíduo se encontra, é que determina a participação distinta do homem e da mulher nos diversos segmentos da sociedade. Porém, não se trata de uma simples distinção, mas sim do universo de desigualdades, desencadeando padrões hierárquicos que “induzem relações violentas entre os sexos e indicam que a prática desse tipo de violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas. (Apud FADIGAS, 2006, p. 1).

 

Por vezes, definido como um crime de ódio, a violência de gênero caracteriza-se pela apropriação dessa relação de poder estabelecida na sociedade patriarcal de modo que é caracterizado como todo ato que resulte em lesão física, sexual ou psicológica de mulheres ou a morte. Entre esses atos de violência, podem ser apontados estupros, violência doméstica ou familiar, assédio sexual, coerção reprodutiva, infanticídio feminino, aborto seletivo e violência obstétrica, bem como costumes ou práticas tradicionais nocivas, como crime de honra, feminicídio relacionado ao dote, mutilação genital feminina, casamento por rapto, casamento forçado e violência no trabalho, que se manifestam através de agressões físicas, psicológicas e sociais. Algumas formas de violência são perpetradas ou toleradas pelo estado, como estupros de guerra, violência sexual e escravidão sexual durante conflitos, esterilização forçada, aborto forçado, violência por autoridades, apedrejamento e flagelação. Formas de violência contra a mulher como o tráfico de mulheres e a prostituição forçada, muitas vezes, são perpetradas por organizações criminosas.

Segundo Fadigas (2006, p. 3), uma das primeiras e fundamentais discussões jurídicas acerca dos direitos básicos à integridade da mulher figura no Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, uma vez que este deu notoriedade aos chamados “crimes silenciosos” ao tratar da subnotificação de crimes contra a mulher no mundo inteiro, em detrimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “que trouxe às Nações um caráter humanitário para a elaboração das legislações subsequentes ao período do pós-guerra de 1948”.

Essas premissas deram bases aos movimentos feministas no Brasil que, no período da redemocratização do país após a Ditadura Militar, uniram forças com organizações de direitos humanos e utilizou-se de postulados humanitários internacionais para dar as bases da legislação específica de proteção à mulher presente na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Trata-se de uma das mais importantes pressões da sociedade civil organizada diante do Estado brasileiro para que esse adotasse um conjunto coeso de documentos legais para tratar do assunto.

Na Constituição Federal de 1988 já aparece um quadro favorável à proteção dos direitos da mulher, uma vez que há em seu texto, no artigo 226, § 8º, o compromisso do Estado em assegurar “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Já no artigo 98, inciso I da CF/88, ficou estabelecido que é função dos entes federados a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Já em 1994, o Brasil recepcionou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, cujos acúmulos puderam, no ano seguinte, dotar o Poder Judiciário com os fundamentos legais em processos judiciais nesse tema. Isso influenciou a jurisprudência até que, tardiamente, em 2004, na reforma do artigo 129 do Código Penal Brasileiro, fosse imputado o texto de que “as condutas que implicassem em agressão física, psíquica e sexual contra mulheres, sob o ponto de vista da violência doméstica, se configurariam como delito”. (FADIGAS, 2006, p. 6).

No âmbito internacional, o Brasil apresenta atualmente dados alarmantes, figurando entre os países com maior incidência de violência doméstica, notadamente o feminicídio. Estudos apontam que “a cada dois segundos uma mulher sofre uma agressão física ou verbal em nosso país conforme o instrumento “Relógios da Violência”, do Instituto Maria da Penha”[3].

Conforme levantamento apresentado na 261ª Sessão ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2016 mais de um milhão de processos referentes à violência doméstica contra a mulher tramitaram na justiça do país, correspondendo, em média, a um processo para cada cem mulheres brasileiras, sendo que pelo menos 13,5 mil destes são casos de feminicídio.

Tabela 1 – Taxa de homicídio de mulheres (por 100 mil)

País

Ano

Taxa

Posição

El Salvador

2012

8,9

Colômbia

2011

6,3

Guatemala

2012

6,2

Rússia

2011

5,3.

Brasil

2013

4,8

Fonte: Mapa da violência 2015

Ainda de acordo com pesquisas do Mapa da Violência[4] de 2015 – homicídios de mulheres no Brasil foi demonstrado que dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro e que essas quase 5 mil mortes representaram uma média de treze feminicídios diários no Brasil, colocando o país em 5º lugar no ranking de países com esse tipo de crime, com uma taxa de 4,8 assassinatos a cada cem mil mulheres.

Em 2006, a intensa luta de Maria da Penha Maia Fernandes pela punição de seu agressor resultou num grande avanço para a efetivação da rede de proteção á mulher no Brasil. Após anos de agressões, seu então marido, tentou assassiná-la duas vezes em 1983, deixando-a paraplégica. Ao tomar coragem para denunciar seu agressor e devido seu intenso empenho em garantir sua devida punição diante de um letárgico sistema judiciário brasileiro no tocante à inibição da violência à mulher, Maria da Penha teve o nome apelidando a Lei 11.340/2006, proposta pelo Poder Executivo e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva após aprovação no Congresso Nacional. A lei alterou o Código Penal, como a introdução do § 9º, do Art. 129, possibilitando que agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada.

Apesar de ter resultado em uma redução de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas, os números de agressões e de feminicídios continuam a crescer no Brasil. De acordo com números de 2005,

(...) 23%5 das mulheres brasileiras estão vulneráveis à violência doméstica; sendo que uma mulher é violentada a cada quatro minutos, e, em 85,5% desses casos, a agressão é oriunda dos próprios parceiros. O estudo demonstrou, ainda, que o País perde 10,5%7 do seu PIB em consequência da violência doméstica. (FADIGAS, 2006, p. 2).

 

Em estudo realizado pelo Senado Federal, publicado no Panorama da Violência contra as mulheres no Brasil (2018) esses índices tiveram aumento entre 2006 e 2015. Na proporção de assassinatos de mulheres para cada 100 mil habitantes, o estudo estatístico apontou o número de 4,2 em 2006, registrando aumento para 4,6 em 2014 e apresentando ligeira redução para 4,4 em 2015.

No que diz respeito aos relatos de violência registrados pelo Ligue 180, serviço oferecido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR), de acordo com o Balanço 2015 – Ligue 1804, foram realizados 749.024 atendimentos em 2015, em comparação a 485.105 atendimentos realizados em 2014. Dentre os atendimentos realizados em 2015, cerca de 10% (76.651) se referiram a relatos de violência contra as mulheres. Destes relatos de violência, 50,16% corresponderam a violência física; 30,33%, a violência psicológica; 7,25%, a violência moral; 2,10%, a violência patrimonial; 4,54%, a violência sexual; 5,17%, a cárcere privado; e 0,46%, a tráfico de pessoas. (SENADO FEDERAL, 2018, p. 11).

 

Esses números bem como os inúmeros relatos registrados nas delegacias especializadas em todo o país, denotam a urgente necessidade de suplementar esses fundamentos jurídicos e todo o progresso na incrementação das estruturas institucionais de proteção à mulher com uma atuação preventiva mais intensa, o que pode ser alcançado com a implementação das iniciativas de patrulhamento.

As experiências de sucesso já em andamento, bem como os projetos em desenvolvimento apontam justamente para necessidade de fortalecer o atual quadro jurisdicional para que a lei seja cumprida, aperfeiçoada e que possa aproximar do ideal de erradicação da violência contra a mulher, cujas consequências de suas mais diversas manifestações são danosas a toda a sociedade.

 

3.MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUAS CONSEQUÊNCIAS

 

A violência contra a mulher não se atrela apenas aos casos em que há agressão física. Há diversas formas de violência em manifestações e gravidades diversas e sua incidência é endêmica na sociedade brasileira.

A violência é um fenômeno social que atinge a população e o governo, tanto no âmbito global quanto no âmbito local, na esfera pública e na privada. Em seu significado mais frequente, refere-se ao uso da força física, intelectual ou psicológica, a fim de submeter outrem a fazer algo contra a sua própria vontade. (OLIVEIRA, 2015, p. 11).

 

São cinco formas de constrangimento que a Lei Maria da Penha reconhece como violência doméstica e familiar: a violência patrimonial, a moral, a psicológica, a sexual e a física, podendo haver sua ocorrência de forma isolada ou concomitante.

No texto da Lei 11.340/2006, em seu artigo 7°, estão expressas as definições de cada uma dessas violências conforme o entendimento jurídico vigente. Quanto à violência psicológica, esta é compreendida como

qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. (GOVERNO FEDERAL, 2006).

 

Trata-se de um tipo de agressão que visa afetar a pessoa mantendo a ameaça física em segundo plano e se estabelece a partir de uma relação desigual de poder. A autoridade simbólica exercida pelo agressor faz com que esse submeta sua vítima à sujeição ao aplicar-lhe maus tratos mentais e psicológicos de forma intencional e contínua. Uma vez que não há dor física no momento de seu exercício, a violência psicológica provoca, através da humilhação muitas vezes de maneira cotidiana, estresse e angústia que podem deixar danos psicológicos permanentes.

Não raro, mulheres vítimas de tortura psicológica requerem tratamento psicológico e é comum a incidência de pessoas que se afastam de convívio social ou mesmo que cometem suicídio.

Já a violência patrimonial, que é mais nitidamente e frequentemente percebida, por exemplo, em situações de divórcio. Sua incidência, porém, é muito mais comum. Trata-se, segundo o texto da Lei Maria Penha, por

qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (GOVERNO FEDERAL, 2006).

 

É comum, quando há manifestação de interesse em divorciar-se por parte da mulher, que o ex-companheiro ou ex-marido danifique bens materiais e objetos pessoais, bem como esconda certidão de casamento, passaporte e outros documentos. Essa tentativa de punição visa inibir a decisão de romper o vínculo, coagindo à manutenção da convivência. Também é comum que muitos homens se utilizem de sua condição financeira para perturbar ou prejudicar a vida da ex-companheira.

Durante a união do casal, ela pode ser percebida quando o homem se apropria de dinheiro ou bens que uma mulher economizava ou quando administrava sozinho o patrimônio que pertencia a ambos.

Registrar todos os bens do casal exclusivamente em nome do homem ou registrá-los de outros familiares, para burlar a legislação e garantir a partilha injusta na separação, também são práticas comuns, bem como não reconhecer que o trabalho doméstico e cuidado dos filhos contribuiu efetivamente para a construção do patrimônio comum, uma vez que foram empenhados força de trabalho e tempo à atividade.

Outra forma de exercício de violência é a violência moral. Humilhar, xingar e agredir verbalmente a mulher com o intuito de diminuir sua autoestima, além da desvalorização moral ou deboche público enquadram-se nesse campo em que a Lei Maria da Penha especifica como “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”. Expor a vida íntima, falar sobre a vida do casal sem o consentimento da parceira, também é considerado uma forma de violência moral, bem como vazar fotos íntimas da vítima nas redes sociais como forma de vingança.

Um dos tipos mais abjetos, mas igualmente suprimido do debate público é a violência sexual no âmbito doméstico. Há um senso comum a ser combatido de que em uma relação de casamento o marido tem “direitos” no que diz respeito à vida sexual. Nesse aspecto, a lei é clara a versar como violência sexual,

qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. (GOVERNO FEDERAL, 2006).

 

A violência física geralmente se configura também como uma das derradeiras formas de manifestação de opressão do homem na sociedade patriarcal.  Em seu artigo 7°, a Lei 11.340/2006 que essa forma de violência é “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. Assim, muito além de casos de espancamentos ou agressões mais severas, manifestações menos radicais também devem ser punidas. Atirar objetos, ainda que não atinjam a vítima, empurra, sacudir e apertar os braços, configuram este tipo de violência.

Considera-se violência física, mesmo que esta agressão não tenha deixado marcas aparentes, o uso da força física que ofenda a saúde ou o corpo da mulher. Caracteriza-se por ser uma espécie de contato físico, o qual provoque dor, podendo ou não resultar em lesão ou causar marcas no corpo. Têm-se como exemplos desta violência: beliscões, mordidas, puxões de cabelo, tapas, cortes, chutes, queimaduras, socos, entre outros. (OLIVEIRA, 2015, p. 20).

 

Essas definições e especificações, entretanto, não são taxativas e limitantes, a jurisprudência deve estar aberta ao reconhecimento de outras formas de violência. A Lei Maria da Penha define, nesse aspecto, as formas mais comuns de violência e, por isso, especificadas em seu texto.

 

4.A INICIATIVA PIONEIRA DA PATRULHA MARIA DA PENHA NO RIO GRANDE DO SUL e sua ampliação para outros estados

 

A Patrulha Maria da Penha foi criada pela Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, chamada de Brigada Militar, no ano de 2012, atuando inicialmente apenas nos quatro Territórios da Paz da capital, Porto Alegre, instalados nos bairros Lomba do Pinheiro, Rubem Berta, Restinga e Santa Tereza por possuir altas taxas de violência e mortes. A implementação reduzida deveu-se ao fato de ter sido um projeto piloto e de haver, inicialmente, poucos policiais capacitados para trabalhar nas patrulhas.

O projeto foi idealizado em virtude da busca de atendimentos mais completos, continuados e eficientes dentro da grande rede de enfrentamento a violência doméstica e familiar, tendo em vista, os vários assassinatos de mulheres mesmo com o deferimento das medidas protetivas de urgência pelo judiciário. Portanto, o projeto objetivava fazer a prevenção após o delito, evitando reincidências de agressões às vítimas, além de fiscalizar o cumprimento das decisões judiciais de abusos já cometidos.

As Patrulhas Maria da Penha são grupos de três a quatro policiais militares com treinamento específico para fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas determinadas pelo poder judiciário, inserindo a atividade policial militar nesta rede de atendimento à mulher, depois de ela já ter sido vítima de violência, sendo que estas patrulhas foram criadas especialmente para esta finalidade e em funcionamento inicial junto aos Territórios da Paz em Porto Alegre. (SPANIOL 2015).

 

Deste modo a “Patrulha Maria da Penha” nada mais é que a presença do estado, através da Polícia Militar, na casa das vítimas, prestando o apoio necessário a essas mulheres em situação de vulnerabilidade, além de colher informações importantes que serão constadas em um relatório específico de visita e que poderão ser anexado ao inquérito policial e/ou processo. As visitas são efetuadas através de rondas realizadas por guarnições especificas da brigada militar e com a presença de ao menos uma policial do sexo feminino, sendo de grande importância para que as vítimas se sintam menos constrangidas e a vontade para relatar os fatos. Outra missão das patrulhas é fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência sempre que não houver chamado de uma vítima em perigo.

A Patrulha possui um roteiro com o nome de todas as vítimas em situação de violência e utiliza uma viatura exclusiva para visitá-las, com um adesivo no vidro traseiro, em cor lilás, para uma fácil identificação de sua atividade junto à comunidade, assim fortalecendo o vínculo com a vítima e sua família, bem como incentivando outras mulheres vítimas de violência a denunciarem os seus agressores.

 Os policiais que atuam nesta modalidade de policiamento também são diferenciados. Antes de integrarem o efetivo da “Patrulha Maria da Penha” os policiais devem participar de processo de capacitação, imprescindível para atuarem com mais sensibilidade e, sobretudo, para entenderem as limitações que uma mulher vitima de violência domestica e familiar apresenta no momento de denunciar seus agressores.

Todas as ações de fiscalização da Patrulha Maria da Penha são devidamente registradas nesse banco de dados e inseridas no Sistema de Informações Gerencias da Polícia Militar (SIGBM), para que possa ser acessado e controlado, em diferentes níveis de gestão, para o melhor e mais célere atendimento à vítima. Esses dados visam robustecer os inquéritos policiais e até mesmo decisões judiciais. (GERHARD, 2014)

 

O trabalho da Brigada Militar é realizado em conjunto com a DEAM que repassa todas as ocorrências registradas com as Medidas Protetivas de Urgência solicitadas pelas vítimas, antes mesmo de estas serem encaminhadas e concedidas pelo juizado especial, para a sede administrativa da “Patrulha Maria da Penha”, onde os dados serão processados e subsidiarão a elaboração do roteiro de visita e fiscalização a ser seguido durante a ronda, otimizando o tempo e seguindo uma ordem de prioridade conforme o grau de risco de cada caso.

Com o acompanhamento sequencial das vítimas, é elaborado um “Relatório, de Fiscalização de Medidas Protetivas”, no qual são descritos os fatos relacionados às visitas e o relato da vítima, os casos mais graves são repassados imediatamente à Policia Civil e ao Juizado de Violência e Familiar, anexando-os ao inquérito civil. Os agressores na maioria das situações não chegam a manter contato, justamente por haver a fiscalização, por outro lado algumas vítimas optam pela desistência do programa Patrulha Maria da Penha, fazendo a tentativa de reunir a família, dando uma segunda chance, mas a Patrulha só desiste de seu objetivo desde que estas vítimas sintam – se seguras e que os ânimos familiares estejam contidos. (SPANIOL, 2015).

 

Conforme divulgado pela Secretaria de Segurança do Estado do Rio Grande do Sul, nos primeiros cinco anos do programa, cerca de 100 policiais, espalhados por 27 municípios, realizaram mais de 50 mil visitas em cumprimento de Medidas Protetivas de Urgência e cadastraram cerca de 45 mil vítimas, reduzindo significativamente os índices de feminicídios no Estado.

Porém, apesar dos brilhantes números apontados acima houve um grande número de mulheres que apesar de atendidas pela “Patrulha Maria da Penha” resolveram voltar a conviver com seus companheiros.

Nos vinte e quatro meses de atuação deste projeto foram realizadas 4.489 (quatro mil, quatrocentos e oitenta e nove) visitas e deste total, 2.447 (duas mil quatrocentos e quarenta e sete), foram de atendimento e cadastro a mulheres vítimas de violência de gênero, sendo que desse quantitativo, 217 (duzentos e dezessete) mulheres voltaram para seus companheiros. (SPANIOL, 2015).

Conforme o que preconiza o Art. 10, da Lei 11.340/2006, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis nos casos de prática de violência doméstica e familiar contra a mulher ou da sua iminência.

A lei consagra a ideia de que a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser realizada através de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais”, incluindo a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, criando uma verdadeira rede de enfrentamento, que conta ainda com a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher.

No entanto a interpretação jurídica entende que autoridade policial é a pessoa revestida pelo cargo de delegado, policial civil, portanto, encontra-se na Lei Maria da Penha a particularização dos serviços e diretrizes que devem ser seguidos pelas delegacias especializadas, principalmente as relacionadas ao atendimento e acolhimento às vítimas, a qualificação de seus integrantes para a devida orientação das mulheres em situação de risco e quanto aos procedimentos criminais que devem ser adotados, conclusão do inquérito e acompanhamento das ocorrências.

No Brasil, a principal política específica de combate à violência contra a mulher ocorreu pela via da segurança pública, através da implantação e expansão das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). Em que pese a grande repercussão e relevância dessa política ao longo da atuação dessas instituições, os estudos apontaram ambiguidades nos papéis desenvolvidos pelas autoridades policiais e pelas próprias vítimas, indicando as dificuldades para se tratar esta questão no âmbito exclusivo da justiça criminal. Contudo, desde a sua criação, essas delegacias passaram por transformações e, apesar de sua importância como política pública, não constituem homogeneamente um campo de investigação da violência contra a mulher (MORAES; GOMES, 2009).

Embora, muitas vezes a polícia militar seja a primeira a ser acionada pelas vítimas e, portanto, os primeiros a ter contato com essas mulheres, a Lei Maria da Penha não especifica as atribuições desta instituição no enfrentamento a esse tipo de violência. Assim, o trabalho da Polícia Militar fica restrito à integração do sistema de segurança pública através do devido encaminhamento, após a prestação de socorro, se necessário, das ocorrências atendidas envolvendo mulheres em situação de violência, às delegacias especializadas para o devido registro, exigindo na lei a capacitação permanente da Polícia Militar quanto às questões de gênero, de raça ou etnia, o que, via de regra, efetivamente não ocorre.

Porém, nem tudo é como deveria ser quando se fala da aplicabilidade desta lei, pois há um hiato entre ela, como instrumento “de direito”, e outro “de fato”. Estes entraves à sua aplicação estão no cotidiano da gestão pública e são tanto de ordem institucional como política. (Spaniol; Grossi, 2014).

Contudo, apesar da particularização dos serviços realizados pelas delegacias especializadas e da integração de vários órgãos públicos no combate a violência domestica e familiar, percebe-se que há a necessidade de aproximação de todo esse aparato às mulheres em situação de vulnerabilidade, algo que contribua de maneira efetiva para a aplicabilidade de todos os artifícios criados e tipificados em lei, como as medidas protetivas, de forma prática, ostensiva e preventiva. É nesta seara que pode ser inserido o trabalho da Polícia Militar, através de rondas que garantam todos os direitos conquistados através da Lei Maria da Penha, entendendo que o atendimento policial adequado constitui medida imprescindível diante das possibilidades de novas agressões.

Apenas recentemente, com a necessidade de atuação em rede, na busca de um atendimento mais completo e eficiente às mulheres vítimas de violência e diante de dezenas de mulheres assassinadas após o deferimento das medidas protetivas determinadas pela Lei Maria da Penha, criou-se na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul; com atuação da Brigada Militar, as Patrulhas Maria da Penha, numa clara intenção de fazer a prevenção pós-delito, e também de difundir seu caráter pedagógico, evitando reincidências nas agressões às mulheres, bem como fiscalização do fiel cumprimento das decisões judiciais acerca de violações já sofridas. (Spaniol; Grossi, 2014).

De acordo com Bibiana Beck Menezes, Capitã da Polícia Militar do Rio Grande do Sul e coordenadora regional do Vale do Rio dos Sinos da Patrulha Maria da Penha, “a patrulha [...] tem por missão fiscalizar o cumprimento de medida protetiva expedida pelo judiciário”. Ela (2018) defende que um dos papeis mais importante realizados pela ronda consiste justamente no empoderamento através da informação, possível através não apenas da atuação de policiamento, mas também por meio de palestras e reuniões, uma vez que

a informação salva vidas e é a partir das informações que divulgamos que as mulheres se percebem vítimas e se encorajam a denunciar seu agressores. Muitas só denunciam porque tem a Patrulha Maria da Penha, se sentem muito seguras. (MENEZES, 2018. Transcrição de entrevista no Apêndice C).

 

Dessa forma, o policiamento específico configurou o ponto decisivo para a melhoria da situação das mulheres vítimas de violência por apresentar uma perspectiva de proteção real e Menezes (2018) é taxativa em afirmar que a Patrulha no Rio Grande do Sul “é imprescindível tanto para o Estado no controle da violência quanto da vítima para sua segurança. Atualmente, não tem como imaginar a não existência de uma patrulha”.

A Lei Maria da Penha é motivo de comemoração para as mulheres que sofrem neste país, criada como instrumento capaz de proporcionar o enfrentamento a violência de gênero, sem dúvidas considerada uma das formas mais inquietantes de violência. As estatísticas revelam que na maioria das vezes este tipo de violência se revela no ambiente familiar, local onde se promove a educação dos filhos, influenciando o comportamento dos mesmos no meio social, através da transferência de valores morais geração após geração, fatos que explicam a perpetuação ao longo do tempo desse tipo de violência.

A violência cometida contra a mulher é um fenômeno histórico que dura milênios, pois a mulher era tida como um ser sem expressão, uma pessoa que não possuía vontade própria dentro do ambiente familiar. Ela não podia sequer expor o seu pensamento e era obrigada a acatar ordens que, primeiramente, vinham de seu pai e, após o casamento, de seu marido. (MELLO, 2007)

Contudo a edição da Lei 11.340/2006, assim como normas anteriores, permaneceu no plano abstrato e não solucionou o problema da discriminação e violência contra a mulher. Despontando que o trabalho estatal, na essência, não deve ocorrer apenas no plano das leis, mas através de medidas de educação e conscientização dos valores humanos. Na prática, apesar das tentativas de solução do problema como a criação de instituições especificas para combater a violência doméstica, a proteção da família permaneceu fora do alcance efetivo das normas jurídicas.

Após a experiência no Rio Grande do Sul outros estados seguiram o caminho trilhado para a criação de policiamento específico para proteção de mulheres em situação de violência. Uma dessas iniciativas foi da Polícia Militar do Maranhão (PMMA), que criou a Patrulha Maria da Penha (PMP) através do decreto nº 31.763, de 20 de maio de 2016, atrelando o funcionamento desta ao Comando de Segurança Comunitária (CSC). O objetivo da PMP é acompanhar e atender as mulheres em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência doméstica e familiar, bem como fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência, buscando orientar, prevenir, proteger e contribuir com as políticas públicas de enfrentamento da violência contra mulheres.

No estado da Bahia, a Ronda Maria da Penha foi criada a partir da articulação da Secretaria de Políticas para as Mulheres junto à Secretaria de Segurança Pública e foi igualmente inspirada na Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. O termo de cooperação que a criou, assinada entre a Secretaria da Segurança Pública, o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça da Bahia e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Bahia, prevê que a Operação Ronda Maria da Penha (ORMP) tem como objetivo primordial prestar atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e/ou familiar que já possuem Medida Protetiva de Urgência expedida em seu favor, enfatizando a necessidade que as vítimas deem encaminhamento ao devido processo legal para assegurar a proteção do estado baiano e a salvaguarda da vida e a garantia dos direitos humanos em casos de violência dessa natureza.

5.Ações CONTRA A VIOLÊNCIA À MULHER EM SERGIPE E PERSPECTIVAS DE ENFRENTAMENTO

 

O organismo estadual responsável pela articulação que visa garantir a igualdade de gênero é a Coordenadoria Estadual de Políticas para as Mulheres do Tribunal de Justiça, que tem por missão a promoção de equidade de gênero e todas as formas de autonomia das mulheres sergipanas para promover o enfrentamento à violência contra a mulher. No entanto, a efetividade das ações, com todos os esforços das equipes envolvidas, trava justamente no acompanhamento mais aproximado do cotidiano das vítimas. Em Sergipe, essa lacuna de um policiamento específico desenha um quadro em que as estatísticas de violência são alarmantes. De acordo com Iracy Ribeiro Mangueira Marques, juíza de direito e Coordenadora da Mulher do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, o quadro profissional do sistema jurídico que lida com a questão percebe que

ainda sente falta, no estado, de uma implementação da Patrulha Maria da Penha, inclusive essa patrulha gera algumas divergências em relação ao seu escopo e área de atuação, que na verdade seria o acompanhamento das mulheres que estão com medida protetiva deferida. (MARQUES, 2018. Transcrição da entrevista no apêndice B).

 

 

Ao avaliar o tipo de violência com a qual se lida nessa questão, a juíza Iracy Marques acredita que é importante haver um tratamento diferenciado por parte do aparato jurídico e de segurança pública uma vez que há diferenciação com outras formas de crime devido ao seu fator simbólico na sociedade brasileira.

Por isso, ainda de acordo com Marques, o papel da Patrulha Maria da Penha fornece uma segurança também do ponto de vista simbólico, já que “a presença da patrulha e da viatura específica traz uma simbologia muito grande para essa mulher vítima de violência e para as pessoas que estão no entorno dessa mulher que observam que tem alguém de olho”.

Frente aos dados de feminicídio em Sergipe, que em 2018 alcançou a marca de 69 casos, conforme relatório da Coordenadoria da Mulher em Sergipe (2018), Marques aponta para a perspectiva de que é preciso atentar para a subnotificação, assim como ocorre nos casos de agressão. Para ela,

o grande problema do feminicídio é que muitas vezes ele é autuado como se fosse homicídio, então como é uma qualificadora precisamos conscientizar as pessoas sobre a necessidade de autuar o processo corretamente para que possamos ter um dado confiável. Na última reunião das coordenadorias estaduais, em Brasília, foi apresentado uma ferramenta que seria uma tentativa de existir uma alimentação e uma parametrização dos dados relacionados à violência doméstica a partir de uma plataforma exclusiva, gerando um dado da violência doméstica único e não um dado da Polícia, um dado do judiciário, um dado do ministério público. (MARQUES, 2018. Transcrição da entrevista no apêndice B).

 

 

Essa perspectiva de dados mais precisos, somados à ação específica de policiamento em situações de violência doméstica, visa a fortalecer uma rede multiprofissional de amparo às vítimas e combate a uma forma de crime endêmica na sociedade brasileira.

Dados da Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal – CEACRIM, da Secretaria de Segurança Púbica, mostram que somente nos municípios de Aracaju, Estância, Itabaiana e Lagarto, cidades que possuem Delegacias de atendimento à mulher no Estado de Sergipe, até o mês de outubro de 2018, cerca de 610 mulheres tiveram suas queixas enquadradas como lesão corporal, 1.106 como ameaça e 948 enquadradas como violência doméstica de forma genérica, suscitando o questionamento quanto a padronização das notificações  nas diversas Delegacias do ente federado. Esses números representam apenas as ocorrências mais cadastradas entre os municípios citados, dessa forma o número da violência doméstica e familiar no estado é ainda maior e expressivo. Estes dados impressionam e levantam o questionamento sobre o andamento da política de enfrentamento em Sergipe.

O Estado de Sergipe, apesar de apresentar uma extensão territorial pequena em relação a outros estados, tem apresentado números alarmantes de casos de violência e feminicídio. As estimativas do mapa da violência apontaram um aumento de 64,7% no número de mulheres que foram assassinadas entre os anos de 2003 e 2013. O estado possui a 16ª maior taxa, no país, de homicídios de mulheres a cada 100 mil habitantes e a terceira maior do Nordeste.

 

6.CONsiderações finais

 

Diante dos resultados colhidos pode-se perceber que a implementação de policiamento específico trouxe efetividade para a Lei Maria da Penha, através da fiscalização das medidas protetivas. Percebe-se ainda que este trabalho trouxesse o empoderamento necessário às mulheres em situação de violência doméstica. Porém, faz-se importante ressaltar que este trabalho se tornou efetivo após o fortalecimento de toda rede de enfrentamento, pois as necessidades das vitimadas extrapolam a seara da segurança pública, sendo, portanto, o programa de assistência à mulher estendido para áreas da saúde, educação, amparo jurídico, entre outras.

Este trabalho, portanto, deve ser contínuo buscando, analisar as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar no Estado de Sergipe, Deve-se incrementar a atuação da Polícia Militar do Estado, através do policiamento preventivo, na rede de enfrentamento a delitos desta natureza para dar mais efetividade destas atuações.

Diante do exposto, pode-se perceber que além de possibilitar o cumprimento prático da Lei 11.340/2006, a implementação de policiamento específico tende a possibilitar a expansão de conhecimentos para que cada vez mais mulheres sergipanas tenham acesso à informação e que seus direitos, garantidos por lei, sejam efetivados para enfim, ter a oportunidade de escolha a uma vida sem abusos.

A Ronda Maria da Penha em Sergipe, portanto, consistiria na formação de um grupamento da Polícia Militar, devidamente treinado e habilitado para o atendimento específico à mulher vítima de violência doméstica e familiar e de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência. A patrulha formada para este fim realizaria visitas às residências das mulheres vítimas da violência de gênero, de forma rotineira e coordenada, atuando de forma preventiva, com o intuito de coibir as possíveis investidas do agressor. A medida proporciona um acompanhamento próximo à vítima e a seus familiares, com a presença policial inibindo a aproximação desses homens, e caso contrário realizará a prisão dos agressores que ultrapassem os limites impostos.

Inspirada nas experiências no Rio Grande do Sul, Maranhão e Bahia, Essa unidade irá encorajar as mulheres vitimadas por violência doméstica a denunciarem seus agressores, fazendo crescer as solicitações de medidas protetivas. Isso irá representar uma atuação mais próxima também do sistema judiciário, contribuindo para reduzir a subnotificação, tanto conscientizando, através de palestras e reuniões, as comunidades onde estará inserida, como também demais unidades de policiamento do estado. A violência tenderá a diminuir, bem como os feminicídios, uma vez que o agressor saberá que a Polícia Militar estará presente próximo à vítima, assim como aconteceu nas localidades em que foi implementada conforme explicitado no capítulo 4.

Muito além de ter um papel coadjuvante, atuando apenas no atendimento da ocorrência, essa unidade deve representar uma forma de enfrentar a violência doméstica, prestando apoio às vítimas de forma substancial e sistemática.  Os policiais que integrarão esta unidade devem passar por uma formação específica, adquirindo a capacitação necessária para intervir nas diversas situações da violência doméstica. 

Sendo assim, os policiais capacitados que compõem a Ronda Maria da Penha deverão compreender que a violência doméstica é um crime e assim deve ser tratado, bem como devem ser capacitados quanto à relevância das ações integradas e interdisciplinares. Desta forma, orientam as vítimas quanto aos procedimentos que devem ser adotados caso haja o descumprimento de ordem judicial, esclarecem dúvidas e encaminham as mulheres à Rede de Atendimento Municipal ou Estadual.

Por fim compreende-se que o projeto “Ronda Maria da Penha” faz valer os esforços de enfrentamento à violência de gênero advindos principalmente após a vigência da Lei 11.340/2006, por alcançar o empoderamento de muitas mulheres que se tornam mais autoconfiantes para romper o ciclo da violência, a partir do momento em que percebem que não estão mais sozinhas. Embora não represente o fim da violência contra a mulher, sua aplicação situa-se no escopo do enfrentamento a essa modalidade de crime como forma de contribuir para a superação dessa cultura de violência através de um novo modelo, de modo que a polícia deve sempre se reinventar, para estar em consonância com as demandas e possibilidades da sociedade.

 

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